E o que vejo, a cada momento,
É aquilo que nunca antes eu tinha visto. (Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa)
Diferentemente de Brás Cubas, personagem de Machado de Assis, que escreve suas memórias depois de morto, posso rememorar, no presente, enquanto a dinâmica da vida me permite, alguns recortes da minha vida profissional, com o(a) leitor(a).
Nesse pressuposto, convido Magda Soares para fundamentar o sentido que seguirá minha narrativa:
Procuro-me no passado e "outrem me vejo”; não encontro a que fui, encontro alguém que a que sou vai reconstruindo, com a marca do presente. Na lembrança, o passado se torna presente e se transfigura, contaminado pelo aqui e o agora (SOARES, 2001,p. 37).
A história teve início em 1977, quando conclui o Magistério e, contrariando Cartola, que poetizava que As Rosas não falam, venci a timidez e pus-me a campo. Acalentada pela voz de Bethânia, fui buscar o Sonho Meu, ao aceitar o convite para participar da Semana Pedagógica do Educandário Juvêncio Terra, como ouvinte. Era um momento especial e precisava mostrar o que havia aprendido nos três anos de formação para docente. Aproveitei todas as oportunidades e participei de todas as discussões metodológicas sobre educação.
Fui convidada a fazer parte do elenco de professores da Escola que povoara os meus sonhos .Minha primeira classe foi a 3ª série do Ensino Fundamental. Não sei como sobrevivi nos dias que antecederam ao primeiro encontro. Planejamento feito, material preparado, chegou a hora de assumir minha primeira turma.O primeiro dia de aula foi cheio de surpresas para ambos os lados.Era um misto de temores, de expectativas, de medos... Mas, pouco a pouco, começamos a nos conhecer e logo um clima amistoso tomava conta dos nossos dias. Suas risadas, seus anseios, sua vontade de aprender, o carinho quando me chamavam “Tia Rose”, ainda ecoam pelos corredores e pelas paredes da Escola. Ainda hoje encontro aqueles meninos e aquelas meninas, de sonhos realizados, nos seus consultórios, em seus escritórios, e alguns deles ainda me chamam, carinhosamente,de “tia Rose”! Era uma melodia ouvir meu nome chamado assim não uma, mas várias vezes por dia.
Acompanhei algumas turmas por cinco anos seguidos, da 4ª série à oitava. Isso ajudava a nos aproximar ainda mais. A cumplicidade, a amizade, a confiança e, principalmente, o respeito eram “servidos”, todos os dias, juntamente com o conteúdo. Que saudade daqueles meninos e daquelas meninas que hoje trilham caminhos diversos, e tenho certeza de que chegaram aonde o sonho e a persistência os levaram!
Tendo em vista a necessidade de aprimoramento contínuo, prossegui a minha formação acadêmica através dos cursos de Especialização em Literatura Brasileira e em Interdisciplinaridade no Ensino Básico.
A Escola cresceu... tornou-se uma Faculdade de renome no interior baiano, e os valores aqui ensinados permanecem como alicerce imorredouro. Novos alunos chegaram e novos desafios me foram sendo impostos e, assim, fui lecionando em outras séries, chegando até ao Ensino Superior!
Já dizia Paulo Freire que “não é possível ajudar o
educando a superar sua ignorância se não conseguimos superar permanentemente a nossa”. Não podemos ensinar o que não sabemos. Cada nova experiência tinha suas peculiaridades, mas a essência era a mesma: transformar as aulas em verdadeiros encontros com o conhecimento, buscando contribuir para a formação contínua do educando como futuro cidadão do mundo.
Assim, acompanhei o crescimento do EJT, de 1977 a 2011 e, como ele, fui crescendo tanto como profissional quanto como pessoa. Aprendi com meus colegas o respeito e a admiração por todos aqueles que, como eu, também abraçaram o magistério como realização profissional. Com meus alunos, verdadeiros mestres, aprendi que o espaço da sala de aula, além de sagrado, é mais enriquecedor na medida em que as trocas de solidariedade, de afeto e de respeito se entrecruzam. Com eles, melhorei a minha capacidade de fazer justiça, de avaliar, de decidir, de optar e de romper com velhos paradigmas, que só nos prendem e impedem o nosso crescimento. Aprendi também a humildade em reconhecer os erros e a não permanecer errando.
Como Magda Soares, acredito que é pelo presente que se explica o passado e se modifica o futuro. Os acontecimentos destacados neste memorial só encontram sentido a partir das vivências que tenho, ainda hoje, coordenando jovens que sonham com um futuro e que constroem aqui o seu presente.
Para Freire, o espaço pedagógico é um texto para ser lido, interpretado, escrito e reescrito. Cabe, portanto, a nós, professores, alunos, corpo técnico, funcionários transformarmos este espaço sagrado em um lugar não só de aprendizagem, mas em um lugar em que todos queiram estar não porque são obrigados, mas porque sentem prazer em conviver com todos que aqui estão. Sou Juvêncio de coração!
Passados trinta e quatro anos, confesso que vivi e que ainda vivo momentos especiais como educadora. Olhando para o passado e vendo o presente, só tenho muito a agradecer às pessoas com quem dividi e construí a minha história. Fico feliz por ainda ser útil e continuar contribuindo para ajudar tantos jovens a se realizarem. Esse é o maior prêmio que um educador pode receber ainda em vida, daí a grande diferença do parâmetro machadiano.
Parabéns, Conquista, por esse centro de excelência em educação. Parabéns, Juvêncio Terra, por não ter-se desviado, nesses sessenta e cinco anos, em nenhum momento, de sua missão de formar jovens capazes de criar, em cooperação com os demais, uma ordem social na qual todos possam viver com dignidade.
Especialista em Interdisciplinaridade na Educação Básica com metodologia do Ensino Superior pelo IBEPEX. Especialista em literatura brasileira pela UESB. Graduada em Letras Vernáculas pela UESB. Coordenadora Pedagógica do Ensino Médio do Educandário Juvêncio Terra -
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